Por: Michaell Lange,
Londres, 31/05/19 –
O exemplo Britânico
Criado em 1516, o Royal Mail (empresa de correios Britânico), foi por 499 anos uma estatal Britânica, até sua privatização em 2013. O Royal Mail fazia um trabalho importantíssimo de manter um serviço de contato entre os grandes centros e os locais mais remotos do território. Havia uma loja do Royal Mail em todos os lugares. Onde havia um povoamento, não importa o quão pequeno ou isolado, havia um posto do Royal Mail. O papel do Royal Mail não era ter lucro, mas fornecer um serviço essencial à população, que não se beneficiava apenas com o serviço de cartas, mas também com o transporte de informação, jornais, revistas, e mercadorias que chegavam dos grandes centros via Correios.
Em 2013, o JP Morgan avaliou o Royal Mail em £10 bilhões de Libras (R$50 bilhões de Reais), mas foi vendido por um valor final de £4.1 Bilhões ou seja, 40% do seu valor real. Também é importante lembrar que a empresa tinha um faturamento bruto de £6 bilhões de Libras anuais. Apesar das críticas, a empresa prometeu não demitir, manter os baixos preços dos serviços e também os serviços nas localidades mais isoladas. Mas, com a privatização, os interesses mudaram. Como estatal, o serviço que o Royal Mail fornecia era o mais importante. Como empresa privada, o lucro (obviamente), passou a ser o objetivo principal. É importante deixar claro que lucro, não é uma palavra demoníaca, afinal de contas, todo mundo que faz um investimento, espera obter lucro como retorno. Por tanto, não há nada de errado em uma empresa privada procurar a maximizar seus lucros. Esse, é o objetivo lógico de qualquer empresa ou investimento privado.
O contraditório da privatização esta na mudança de interesses. O governo usa a estatal para manter um serviço essencial e disponível a toda a população, ou para manter a presença ou o controle de algum produto ou serviço estratégico e de grande interesse nacional. O objetivo de uma estatal não é maximização de lucros, mas a garantia do fornecimento de serviços essenciais, além do controle de interesses soberanos. Os interesses de qualquer empresa privada, é a maximização de lucros e controle do mercado. As responsabilidades sociais de uma empresa privada é uma questão moral e cívica. Já o estado tem obrigação constitucional de proteger e facilitar o desenvolvimento social. A empresa privada não é obrigada a garantir os serviços essenciais de uma pequena comunidade no meio da Amazônia. Quem tem a obrigação de garantir estes serviços é o estado. Vale citar aqui por conta do exemplo, o excelente trabalho social prestado pelas forças armadas na região amazônica.
O resultado da privatização dos Correios Britânicos, do ponto de vista social, foi negativo. O povo perdeu ao menos £6 bilhões de Libras já no momento da venda da companhia. Dinheiro que poderia ter sido reinvestido em benefícios sociais e acabou nos bolsos de grandes empresários. Além disso, os preços dos serviços também subiram gradativamente ao longo do tempo. A empresa também fechou todas as lojas que não davam lucros, e centralizou serviços especiais, como renovação de CNH e passaportes que antes eram feitos em qualquer posto dos correios. As localidades mais isoladas e que nunca de fato deram lucro, e eram mantidas pelo governo por ser um serviço essencial, foram fechadas forçando o governo a investir outros £2 bilhões para manter o serviço operando nos locais mais isolados.
Do ponto de vista econômico, os resultados foram mais positivos. A empresa continua fornecendo um serviço de qualidade, e o fim do controle do estado atraiu maior competição ao mercado que com isso, recebeu mais investimentos. Empresas como a TNT, UPS, Fedex e DHL, agora dividem o mercado com serviços diferenciados. As ações da empresa também subiram, beneficiando os 150 mil funcionários que haviam recebido do governo, 10% das ações da empresa durante o processo de privatização.
A privatização dos Correios no Brasil, que ja recebeu sinal verde do presidente Bolsonaro, deverá ter resultados sociais ainda mais negativos, e resultados econômicos ainda mais expressivos. Assim como a Vale do Rio Doce, é certo que a venda dos Correios seguirá as normas das privatizações anteriores, e os Correios deverá ser vendido bem abaixo do seu valor de mercado. As cidades e vilarejos do imenso território Brasileiro que hoje tem a sorte de ter um posto dos Correios, serão os mais prejudicados. Uma das primeiras ações de qualquer empresa que comprar os Correios, será fechar os postos que não são lucrativos ou seja, os postos dos locais mais isolados. Além disso, se as normas forem seguidas a risca, o que é bem possível, também haverá aumento dos preços dos serviços. A incógnita no caso do Brasil, é saber se essa privatização irá criar um ambiente econômico positivo para que outras empresas do setor possam ser atraídas para o mercado Brasileiro, trazendo investimentos e beneficiando a economia. Mas essa é uma incógnita que somente o tempo poderá responder.
A privatização dos Correios, não é um total absurdo. O governo Brasileiro retém o controle de muitas industrias que jamais deveriam estar sob o controle do estado. Portos, e aeroportos são apenas alguns exemplos. Bolsonaro esta certo nesse ponto. Mas é importante que o presidente tenha consciência de que vender por vender não basta. É preciso manter os serviços nas regiões mais isoladas e garantir a criação das condições e regulamentações para que esse setor da economia, assim como os Brasileiros, possam se beneficiar desse processo. Repassar 10% das ações dos Correios a seus funcionários, assim como fez o governo Britânico no caso da venda do Royal Mail, seria um sinal de que as intenções são boas. Infelizmente, do meu ponto de vista pessoal, a crise moral no Brasil é tamanha, que as privatizações serão apenas mais um oba-oba, onde apenas empresários escolhidos a dedo, por interesses pessoais e partidários, é quem irão realmente sair ganhando. Os Brasileiros ao meu ver, ficarão mais uma vez, a ver navios. A minha esperança é que meu pessimismo esteja errado desta vez…