A Morte do Estado E O Surgimento Do Regime Totalitario Corporativista

By: Michaell Lange,

London, 12/10/15 –

O gigantesco acordo financeiro e de parceria comercial que esta sendo negociado entre a União Européia e os EUA deve ser o maior acordo econômico da história. O chamado Transatlantic Trade and Investment Partnership ou TTIP, irá beneficiar os dois lados do Atlantico Norte de forma ainda não vista. Mas o acordo, tem sido alvo de intenso criticismo na Europa, sobretudo de sindicatos, grupos ambientalistas, grupos anti-globalização e outras ONGs que acusam o acordo de beneficiar as grandes corporações internacionais as custas dos cidadãos Europeus. As principais agencias de noticias do mundo preferem não dar muita atenção ao assunto. Mas os motivos por trás dessa passividade da grande mídia, pode estar escondido nos verdadeiros interesses desse acordo comercial. Se os críticos estiverem certos, o silencio da mídia tem justificativa. Não seria conveniente divulgar detalhes de um projeto dessa magnitude se o povo não estiver incluindo entre os grandes beneficiários. A preocupação de instituições civis podem ter fundamento se algumas informações forem cruzadas e analisadas de forma correta. Segundo a Agencia Internacional Global Policy Forum (GPF), das 100 maiores economias do mundo hoje, 51 são corporações e 49 são países. O poder exercido pelas grandes corporações pode ser considerado hoje uma das grandes ameaças a soberania de pequenos países e também para as super-potências. De acordo com Michael Mueller, presidente da ONG Alemã, German Friends of Nature, “nós não queremos um futuro controlado pelos mercados, nós queremos salvar a Democracia”. Michaell Muller se refere ao poder que as grandes corporações exercitam atualmente nos Congressos e parlamentos ao redor do mundo através do lobbying. A influência do lobbying nos governos transformou a forma de governar e legislar em praticamente todos os países do mundo. Nem mesmo as grandes nações como os EUA, se salvam desse fenômeno. Em 2011 o Congresso Americano passou uma Lei Federal que ficou conhecida como a lei que transformou Pizza em um Vegetal. O legisladores teriam afirmado que por conter duas colheres de sopa de extrato de tomate, a pizza poderia ser servida como fonte de nutrientes vegetais, mesmo que o tomate seja considerado uma fruta. A Lei foi votada depois que o Presidente Barak Obama apresentou um projeto para diminuir a fonte de proteínas e aumentar as fontes de nutrientes vegetais servido nas refeições das escolas Americanas, para conter o grave problema da obesidade no país. A pizza seria um item reduzido, mas a industria deu um jeito de fazer o Congresso trabalhar a seu favor.

Os críticos afirmam que o acordo comercial entre a União Europeia e os EUA, fortalecerá ainda mais a influência das corporações internacionais nas políticas publicas da Europa. De fato, esse processo ja esta bem avançado, mas acordos como esse, demonstram que talvez, os objetivos corporativos sejam mesmo a de substituir o estado de forma não declarada. O partido dos conservadores da Grã Bretanha que atualmente esta no poder no país, afirmaram durante o congresso do partido na semana passada em Manchester, que o mundo hoje é ditado pelas regras dos mercados e que é papel dos governos apoiarem esse processo. Essa afirmação é extremamente preocupante.  O processo de globalização realmente entregou o controle dos mercados as grandes corporações e isso é mais um motivo para que os governos se posicionem entre os interesses do povo e o apetite insaciável das grandes corporações. Não existe outro motivo para a existência dos governos se não a importância de defender os interesses da população. A sociedade moderna precisa dos mercados globalizados e das grandes corporações. O problema é que as grandes corporações estão ficando mais poderosas que o próprio estado e os interesses públicos ficam em segundo plano. Nos EUA alguns estados proibiram a existência de sindicatos. No Reino Unido os direitos trabalhistas estão deixando de existir juntamente com outras políticas públicas. O sistema de saúde Britânico é considerado um dos melhores do mundo, mas nunca foi tão negligenciado como nos últimos anos. O partido dos trabalhadores da Grã Bretanha acusa os conservadores de sucatear o NHS – National Health System – com o objetivo de privatiza-lo, mesmo que o próprio partido dos trabalhadores tenha negligenciado o NHS por mais de 10 anos antes dos conservadores tomarem o poder.

No ultimo final de semana uma multidão estimada em 250 mil pessoas, tomaram as ruas de Berlin na Alemanha, em protesto contra a negociação do acordo transatlântico de comércio e parceria de investimentos. Uma petição online pedindo que a União Européia desista do acordo comercial com os EUA, ja acumula mais de 3 milhões de assinaturas. Segundo o diretor da ONG Global Justice Now, Nick Dearden, a petição é uma clara evidencia de que a União Européia não tem o apoio dos Europeus para tomar essa decisão. Nick Dearden disse a Instituição civil Films For Action que, “tudo que nós sabemos a respeito desse acordo secreto demonstra que esse acordo trata muito pouco dos interesses públicos e muito mais dos interesses das grandes corporações “.

Os protestos na Alemanha coincidem com a divulgação desta Segunda-Feira (12) pela rede de TV Britânica BBC, que a empresa FaceBook pagou apenas £4.327 Libras em impostos no Reino Unido em 2014. Segundo a BBC, o FaceBook declarou um prejuízo de £28,5 milhões de Libras no Reino Unido em 2014, mesmo tendo pago aos seus 362 funcionários, um total de £35.4 milhões de Libras em bônus ou seja, £96 mil Libras por funcionário. De acordo com a BBC, os impostos pagos pelos funcionários da empresa em 2014 foram na média de £5.392.80 Libras, mil Libras a mais por funcionário do que o total pago pela empresa. Em janeiro deste ano a Empresa declarou um lucro global no quarto trimestre de $701 milhões de Dólares. Um crescimento se 34% referente ao mesmo período no ano anterior. De acordo com os dados da própria empresa, a arrecadação com vendas e propaganda cresceu 53% fechando o ano em $3.59 bilhões de Dólares. A gigante das redes sociais também declarou que possui 1.39 bilhões de usuários ativos, um crescimento de 13% ao ano anterior.

O FaceBook entrou para a lista de empresas investigadas pela União Européia acusada de uso de meios indevidos para não pagar impostos. Também fazem parte da lista de investigados, o Google, Amazon, Fiat e Starbucks. As investigações iniciaram depois da descoberta de que a Starbucks, pagou apenas £8.6 milhões de Libras em impostos durante os 14 anos de atuação no Reino Unido entre 1998 e 2012, mesmo apesar de declarar receita total de £3 bilhões no mesmo período. Na semana passada um estudo feito pelo G20 denunciou que as Leis que permitem grandes corporações de declararem seus lucros em paraísos ficais rendeu um prejuízo em arrecadação de impostos no valor de $100 a $240 bilhões de Dólares, o equivalente a 4% e 10% do valor de arrecadação global de impostos. Em 2013, o governo Britânico diminuiu os impostos pagos por grandes corporações de 28% para 20%  ao mesmo tempo em que cortava gastos públicos com fechamento de bibliotecas, hospitais, emergências, bases do corpo de bombeiros e cortes nos benefícios trabalhistas e pensionistas. Os críticos acusam o atual governo de ser uma espécie de Robin Hood ao contrario, tirando dinheiro dos pobres e dando para os ricos.

Em todo o mundo, o fenômeno é o mesmo. Grandes corporações dominam as mesas de decisões de políticas públicas dentro e fora do Congresso Nacional no Brasil e nos EUA ou no Parlamento Britânico e na União Européia. Em troca das leis que beneficiam as grandes corporações, partidos políticos, candidatos, deputados e senadores recebem gordas contribuições. A Lei que permite a doação de capital por empresas, para financiar partidos políticos e candidatos políticos no Brasil, é um alerta que não pode passar despercebido. No final, quem fica de fora do banquete são sempre as mesmas vitimas, eu e você que votamos e damos o direito dos nossos governantes de fazer o que bem entenderem. Dessa forma, a Democracia vai perdendo espaço para um regime totalitário e ditatorial que paga para ter as leis que interessam, aprovadas. Por outro lado, o povo vai dormir preocupado com a ameaça do comunismo, uma ideologia moribunda e que não ameaça mais ninguém, sem perceber que o estado, responsável em administrar e defender os interesses da população, ja vendeu o futuro dos nossos filhos e das próximas gerações, para interesses financeiros que não se importam com o bem estar social. Em pouco tempo, toda a riqueza global estará guardada em poucas contas bancarias enquanto o restante da população mundial vai ter que se conformar com as migalhas deixadas para trás pelos futuros donos do planeta terra. E isso não se trata de uma previsão futura, essa realidade ja é atual e poucos até agora, foram capazes de perceber.

A solução para esse problema não é o fim das grandes corporações, nem o ódio pelos grandes capitais. As corporações são partes fundamentais nas sociedades modernas. Empresas como o FaceBook, Amazon, Google, Apple entre tantas outras, revolucionaram nosso modo de vida e trouxeram benefícios sociais incríveis. Mas é correto dizer que eles estão sendo devidamente recompensados por estes benefícios sociais. Corporações geram empregos e fortalecem a economia. A solução portanto, é a busca pelo equilíbrio entre os interesses corporativos e os interesses sociais. Grandes corporações precisam pagar impostos locais ao invés de transferirem seus lucros para outros países com o objetivo de não contribuir com as suas responsabilidades sociais. Os governos ja deixaram de representar os interesses sociais. Na Europa, o desenvolvimento de uma sociedade civil, com fortes instituições independentes, tem feito a diferença na hora de pressionar o governo a aprovar ou rejeitar propostas de Leis que dizem respeito ao bem estar comum. Petições online por exemplo, tem forçado o Parlamento Britânico e Europeu a discutirem assuntos de interesse social que, com apoio de parlamentares podem se tornar Leis que protegem e beneficiam os interesses sociais. No Brasil, as instituições civis devem iniciar seu trabalho junto as bases governamentais como no caso das prefeituras. Associações de moradores de bairros podem fazer toda a diferença quando trabalharem unidas pelos interesses das suas comunidades. Associações unidas por um único objetivo, pressionar governos a discutir e criar projetos que visam os interesses da comunidade. Essa talvez seja a melhor maneira de fazer os governos voltarem a representar as políticas publicas que não apenas beneficiam as grandes empresas, mas também as sociedades de uma forma geral. A Europa tem muito a nos ensinar a esse respeito e cabe a nós, observar e aprender a defender nossa democracia que apesar de capenga, ainda é tudo que temos.

Fonte:

Films For Action – http://www.filmsforaction.org/articles/hundreds-of-thousands-march-in-berlin-against-ttip-trade-deal/

BBC – http://www.bbc.co.uk/news/business-34504474

GPF – https://www.globalpolicy.org/component/content/article/221/47211.html

The Guardian – http://www.theguardian.com/commentisfree/cifamerica/2011/nov/18/pizza-vegetable-congress-says-so