By: Michaell Lange,
London, 14/12/16 –
Esta semana me deparei com um video sobre o Natal que não apenas me comoveu, mas me fez entender um pouco da minha frustração de não conseguir sentir o mesmo entusiasmo com essa data que tantos consideram a mais importante do ano.
Pois bem, não é novidade para ninguém que os valores do Cristianismo foram abandonados por seus seguidores e a religião transformou-se em um grande comercio. É obvio que devemos salvar espaço as exceções. Eu também conheço bons Cristãos. Mas, não podemos negar que os valores promovidos dentro da casa de Deus não são reproduzidos fora dela. Além disso, o tempo é testemunha da transformação do significado do Natal que hoje, tem muito pouco a ver com o nascimento mais importante da história do Cristianismo, e menos ainda com os valores que esta religião promoveu pelo mundo. Também não é de hoje que o nome da igreja é usado para justificar ações injustificáveis, mas não é sobre isso que este artigo se propõe a falar. O que me inspirou a escrever este artigo foi o poema de Aldemar Paiva chamado “Eu não gosto de você Papai Noel” que conta uma história que reflete milhões de histórias semelhantes que se repetem todos os Natais. A história do menino pobre que pediu um presente ao Papai Noel e nunca recebeu nada, nem mesmo uma resposta escrita, denuncia meu desgosto com a sua figura. Papai Noel não tem presente para os pobres, porque Papai Noel não existe, ou só existe para quem pode compra-lo. O que existe é uma figura que vende sonhos e fantasias que os pobres não tem o direito de ter, mas parecer ter o dever, por condicionamento, acreditar. Me pergunto; Por que fazemos isso com nossas crianças?
Quando eu tinha mais ou menos 10 anos de idade, meu pai me levou para comprar um presente de Natal. No caminho para o mercado, ele e minha mãe me explicaram que aquele presente seria dado a mim pelo Papai Noel, mas que na verdade o tal Papai Noel seria a minha tia fantasiada, porque o verdadeiro Papai Noel não existia. Meus pais deixaram bem claro que as outras crianças que estariam na rua, acreditavam e que por isso, eu deveria manter segredo. Feliz, recebi o presente do Papai Noel que era a minha tia, e que havia sido comprado pelos meus pais. Tudo isso em frente a um grupo de mais ou menos 20 crianças encantadas em ver o Papai Noel, mas ganharam como presente nada além de alguns doces. Aquelas crianças devem ter se perguntado; Por que somente ele (eu) recebeu um presente? É nesse ponto que vive a minha angustia. Sempre que vejo alguém fantasiado de Papai Noel, observo os olhares das crianças a sua volta e tenho medo de que algumas delas nunca receberão o presente prometido, seja material ou afeto, carinho e amor.
Nunca julguei meus pais pela atitude de me fazer de tolo diante de crianças que como eu, só queriam receber um presente. Na minha inocência de criança, só queria mesmo era o presente. Depois cresci assistindo outros Papais Noel fazendo o mesmo em todas as cidades e em todos os lugares, e acabei percebendo que se tratava de uma coisa cultural. Cultural e cruel, devo dizer. Depois de adulto, encontrei aquela minha foto recebendo o presente do Papai Noel, digo, da minha tia, e pude ver a crueldade da cena que se pudesse, não teria feito parte. Todas aquelas crianças a minha volta, me assistiram sendo presenteado com enorme alegria, pelo realizador dos sonhos mais impossíveis. Mas, por que só eu ganhei presente? Por que os outros ganharam apenas balas e doces? Será que apenas eu fui merecedor de tamanha honra? Será que as outras crianças não foram boas o suficiente? Será que deveriam ter estudado mais? Ou ter sido mais obedientes? Quantos questionamentos não passaram na cabeça daquelas crianças? E por que? Por causa de uma fraude! Porque além de marcar o nascimento de Cristo, o Natal é uma fraude cruel, e nossas crianças são as principais vitimas. O nascimento de Cristo passa totalmente despercebido pela grande maioria da população. Aos que conseguem reunir os amigos e familiares, a data é um ponto positivo, mas para muitos que estão sozinhos (e são muitos mesmo), a data é quase uma tortura. Ainda esta semana, assisti de cabelo em pé, cenas de crianças desacompanhadas (dizia a reportagem ser umas 100) presas em um prédio em Aleppo na Síria, sem água ou comida, enquanto bombas atingiam o mesmo prédio pois, haviam também, rebeldes escondidos nele. Como posso ter um Natal feliz diante de um mundo que em pleno século 21 ainda permite esse tipo de barbaridades com mulheres e crianças?
Hoje entendo porque não gosto do Papai Noel. Não posso gostar de alguém que como disse Aldemar Paiva, sente ódio do que é humilde, e glorifica o que é luxuoso. Não posso gostar de uma figura que vende ilusões a tantas crianças que nunca receberão um presente seu. Não posso gostar de um Papai Noel que só aparece em locais onde o público esta disposto a gastar dinheiro.
Neste Natal meu filho irá ganhar presentes, mas assim como eu, ele saberá a verdade. Ele até poderá sentir e aproveitar o entusiasmo e a alegria que aquela fantasia trás quando o Natal chega. Mas não permitirei que lhe vendam ilusões ou que o façam de tolo. Ele saberá a verdade. O sonho e a fantasia trazem alegrias ao mundo infantil, mas a ilusão do presente que nunca chega, trás apenas tristeza e infelicidade para pequeninos que ainda não estão preparados para sentir a dor da injustiça. O meu Natal precisa ser verdadeiro e justo. Precisa ter o necessário e não o ilusório. A minha reflexão trás a tona minha condição humana, mas também trás a condição humana de quem vive comigo nesse mundo, e não tem a mesma sorte que eu tive. É para estas pessoas que meus sentimentos de Natal são direcionados.
O Natal deveria ser uma data para reflexão e esforços para o melhoramento das nossas condições humanas. Ao invés disso, somos invadidos por uma mistura de ansiedades e frustrações que nos levam a gastar o dinheiro que não temos, comprando futilidades que não precisamos. Enquanto isso, quem precisa acaba ficando sem nada. O senso de bondade que muitos de nós temos em ajudar o próximo, logo no dia seguinte transforma-se em indiferença, como se nosso compromisso humano valesse apenas para o dia 25 de Dezembro. Imagine se nosso espirito natalino estivesse presente todos os 365 dias do ano? Imagine se cada um de nós fossemos um Papai Noel que ao invés de ilusões, doasse bondade todos os dias do ano? Mas, não somos assim. Vivemos indiferentes aos que estão a nossa volta e acreditamos nas ilusões que um Papai Noel que não existe, insiste em promover ano após ano. Não, eu também não gosto de você Papai Noel. Saibas que quando se aproximares do meu filho, ele estará sabendo a verdade sobre você. Meus desejos de um Feliz Natal seguem em pensamento e reflexão a todas as crianças da Síria, e para todas as crianças desacompanhadas dos seus pais. Meu desejo de Feliz Natal não terá Papai Noel, terá sim, um aperto no peito que reflete a falta de amor e compaixão no mundo em que vivemos hoje. Cristo certamente gostaria de um presente de Natal diferente do que seu povo tem a lhe oferecer no momento. Particularmente, a figura de Jesus não esta representado na fantasia de um Papai Noel, mas no sorriso de cada criança desse mundo. Um mundo sem o sorriso das crianças é um mundo sem futuro…