VACINA PARA A DESINFORMAÇÃO

Por: Michaell Lange,

Londres, 30/12/2020 –

O tratamento para a desinformação é tão urgente quanto o tratamento para a COVID-19. Já temos vacina para o coronavirus, precisamos agora, de uma vacina para a desinformação.

Com a aprovação da vacina da Oxford pelo órgão regulador Britânico, o mundo passa a ter agora duas vacinas disponíveis para combater o Coronavirus. Podemos acreditar que, pelo menos os países que já estão colocando seus planos de vacinação em prática, começarão a ver uma rápida diminuição nos números de infecções e consequentemente um provável início da recuperação econômica já em meados de 2021. Porém o “virus” da desinformação, que já provou ser tão epidêmico e mortal quanto o da COVID-19, ainda não tem remédio disponível. A única forma para tratamento da desinformação continua sendo o auto-questionamento e a pesquisa. Os principais sintomas da desinformação podem incluir: certezas absolutas e incapacidade de criticar suas próprias certezas e em alguns casos os sintomas podem incluir também, incapacidade de aceitar a possibilidade de estar errado e um forte sentimento de que você esta sempre absolutamente certo e o resto do mundo esta sempre absolutamente errado.

Não há dúvidas sobre a forma displicente, irresponsável e por vezes criminosa com que as relações entre as instituições internacionais, sobre tudo, entre as instituições reguladoras e empresas multinacionais, podem ser as vezes conduzidas. É fato que os interesses dos consumidores nem sempre estão no topo da lista de prioridades destas instituições e estas anomalias devem ser sim, firmemente criticadas e combatidas constantemente.

Criticas e dúvidas não são problemas, mas a crença absoluta no obscuro, no paranormal ou no sobrenatural, são capazes de condenar uma nação inteira à ignorância. Algumas tribos da Nova Guiné acreditam que uma fotografia pode aprisionar a alma de uma pessoa e o único meio para liberta-la é matando o fotógrafo. Criticar o fato de ter sido fotografado não é o problema. Matar o fotógrafo porque você acredita que sua alma esta sendo aprisionada pela foto, é um crime absurdo e inaceitável! Entenderam a diferença entre informação e desinformação?

Um dos exemplos mais recentes e trágicos dessa displicência nas relações entre instituições reguladoras e empresas multinacionais, é o caso da gigante Boeing, fabricante de aviões e a da FAA – Federal Aviation Administration – departamento do governo Americano que regulamenta a aviação nos EUA. A FAA foi acusada de deixar o seu papel de acompanhar os estudos para comprovação e certificação de segurança e uso comercial do novo avião da Boeing nas mãos da própria Boeing, nesse caso, o novo 737 Max-8. O resultado da negligência foram dois acidentes fatais que ceifaram a vida de 346 vidas inocentes. As alegações acusam a FAA de ter deixado o processo de certificação do 737 Max-8 nas mãos dos engenheiros da Boeing por causa dos recentes cortes de orçamento que teriam levado à redução do número de funcionários da FAA. Já a Boeing é acusada de pressionar seus próprios engenheiros para certificar o 737Max-8 mesmo com problemas de segurança, porque a companhia vinha perdendo mercado para sua principal concorrente, a gigante européia Airbus. Por tanto, a critica e o questionamento é legitimo e devem ser exercitados sempre. Mas é importante que as pessoas entendam a diferença entre a importância de uma critica e a letalidade do uso irresponsável e criminoso da informação.

Tendo o caso Boeing/FAA em mente, é perfeitamente legítima a preocupação com a segurança no lançamento de qualquer medicamento novo. A forma rápida como as novas vacinas contra a COVID-19 foram produzidas, certamente levantam questionamentos com relação a sua eficácia e segurança. Estas dúvidas e questionamentos são totalmente normais. O que não é normal aqui é você acreditar que irá virar um jacaré caso receba a vacina.

Os efeitos catastróficos da pandemia fizeram com que governos do mundo inteiro colocassem à disposição das empresas farmacêuticas investimentos quase infinitos para o desenvolvimento de uma vacina. Os interesses financeiros envolvidos nesse processo são colossais. Todo esse interesse gerou uma grande corrida entre as farmacêuticas para desenvolver a primeira vacina e ter acesso à maior fatia possível desse imenso “pote de ouro”. Essa corrida para desenvolver a vacina também tem a ver com a urgência para se colocar um fim na pandemia o mais rápido possível. Os processos de desenvolvimento continuam sendo seguidos, só que de maneira mais urgente. Esse processo inevitavelmente compromete os estudos sobre os efeitos de longo prazo, mas todos estes riscos são considerados e devidamente calculados antes da sua liberação. É exatamente por isso que é fundamental que as relações entre os órgãos reguladores e as empresas farmacêuticas estejam constantemente sob monitoramento e revisão, para que os interesses dos consumidores estejam sempre no topo da agenda e os efeitos do caso Boeing/FAA sejam evitados.

Por se tratar de interesses globais envolvendo questões econômicas, financeiras, políticas e sanitárias, nossa capacidade de processar esse Tsunami de informações é inevitavelmente reduzido. Ser vítima de desinformação não faz de você uma pessoa ignorante. O problema começa quando você passa a fazer parte da máquina amplificadora da desinformação. Nesse caso, a única defesa disponível é o questionamento, a reflexão e a pesquisa constante. Os cuidados para não sermos vítimas da desinformação são tão importantes e urgentes quanto os cuidados para não sermos infectados pelo coronavirus e essa responsabilidade é individual.

Não podemos ser vítimas de idiotas profissionais, charlatões e aproveitadores, que usam de teorias conspiratórias e negacionistas para demonizar e comprometer a reputação de instituições mundialmente respeitadas como a Universidade de Oxford e o Imperial College London, cujo os históricos foram desenvolvidos ao longo de quase mil anos e gerações de cientistas que dedicaram suas vidas ao aperfeiçoamento da ciência. Não podemos ser vítimas de políticos ignorantes e incompetentes que usam do seu tempo para minimizar suas culpas e responsabilidades e assim maximizarem seus interesses políticos. Agora que já temos vacinas para o Coronavirus, precisamos de uma vacina para o virus mortal da desinformação. Cuide-se!