By: Michaell Lange.
London, 28/09/16 –
A sociedade Brasileira é inteiramente corrompida. Dos 25 anos que eu morei no Brasil, a quantidade de pessoas honestas que eu encontrei foram tão poucas que eu poderia contar usando os dedos de uma única mão, e nem eu me incluiria nessa lista. De fato, uma das maiores lições que a sociedade Britânica me ensinou ao longo dos últimos 14 anos, foi que a corrupção tem cura. É possível acabar com a corrupção! Mas é preciso um exercício intenso que vai muito além da simples vontade de ser e fazer as coisas da forma correta. Mudar o que somos e seguir contra tudo aquilo que é aceitável e que dita as regras sociais a que fomos introduzidos e condicionados desde o primeiro dia de vida, é um desafio árduo e custoso. É preciso antes de mais nada, compreender e entender o que é corrupção antes de iniciarmos o processo de nos distanciarmos dessa prática. É como passar a vida inteira nadando contra a correnteza de um rio tentando convencer as pessoas de que apesar das dificuldades de nadar contra a corrente, se todo mundo passar a nadar para o lado certo, nós conseguiremos mudar o curso do rio. A minha experiência em Londres me deu maior clareza desse processo que antes eu nem conseguia reconhecer, por isso eu critico, mas não condeno o povo Brasileiro. Eu só enxerguei o que estava errado depois que eu sai, porque até então, eu era apenas parte do problema.
Logo que cheguei a Londres em 2002, me deparei com um desafio tão imenso que por vários dias cheguei a pensar que na verdade eu estava ali porque havia morrido, e que todas as pessoas a minha volta também estavam mortas. Em Londres, as pessoas costumam andar em silêncio, com a cabeça ligeiramente baixa. O Brasileiro caminha como um carro alegórico, falando alto, gesticulando, rebolando, olhando para os lados, cumprimentando quem passa, tirando onda. Para quem esta acostumado com essas alegorias do comportamento Brasileiro, não é tão difícil assim achar o silêncio dos Londrinos meio sem vida. Me lembro claramente de caminhar no centro de Londres e não sentir o chão. Por vezes toquei as pessoas nas ruas de propósito só para ter a certeza de que elas estavam realmente vivas. É uma experiência muito louca, especialmente quando você é meio “bicho do mato” como eu. Foi um choque cultural muito grande.Eu reconhecia os valores, mas nunca havia visto em prática. No Brasil, o que conhecemos como valores quase nunca são aplicados. Valores no Brasil são como teorias que aprendemos na escola e ouvimos falar em casa, mas nunca praticamos de verdade. Assistir a estes conceitos serem praticados no dia-a-dia era uma novidade para mim. Acho que o desafio foi especialmente difícil no meu caso porque cresci numa vila de pescadores praticamente isolada do resto do planeta. Uma vila de pescadores que desenvolveu seus próprios códigos de conduta moral, facilmente questionáveis por conta do conservadorismo religioso, machista, preconceituoso e corrupto. A sociedade Britânica me introduziu um processo de renovação de conceitos, virtudes e valores que eu ainda não havia experimentado, e que acabou me transformando quase que literalmente em outra pessoa. Pela primeira vez na vida a palavra corrupção passou a ser mais do que uma simples palavra usada para atacar e acusar os políticos de um crime que eu também praticava. A primeira vez que você tem a clara percepção de que você também é corrupto, não é apenas um momento que revela uma verdade sobre você que você até então desconhecia. Esse é um momento que choca muito, porque você acreditava ser honesto e descobre por si mesmo que você não é. O choque de reconhecer que você é corrupto só é menor do que a percepção de que a base fundamental que sustenta a sociedade que você nasceu, e que é responsável por todas as relações humanas, sociais e comerciais do dia-a-dia de todos os cidadãos, são ditadas e operadas pela corrupção. Reconhecer a corrupção em suas próprias atitudes ja é um desafio por si só. Combate-la dentro de si mesmo é uma guerra diária que dura a vida inteira e precisa ser vencida batalha por batalha.
Na minha primeira semana em Londres, um amigo meu (Brasileiro) que trabalhava em um Pub, me deu um telefone usado de presente. Ele me contou que achou o telefone no chão do Pub e que eu precisava desbloquea-lo para poder usa-lo. Segundo ele, qualquer lojinha de telefone faria o trabalho. Fiquei muito feliz de não precisar gastar meu dinheiro (contado), com essa necessidade. Na manhã seguinte, tomei um café e fui direto para o centrinho de Wimbledon para desbloquear o telefone. Entrei na primeira loja que eu vi (Vodafone) e fui direto no balcão onde o atendente, com olhar desconfiado, me disse que eles não faziam esse serviço. Fiquei surpreso porque meu amigo havia dito que eu poderia desbloquea-lo em qualquer lojinha. Resolvi perguntar porque eles não desbloqueavam. O atendente foi direto ao assunto; “não desbloqueamos telefones porque isso é ilegal senhor “. Foi meu primeiro tapa na cara, e foi também a primeira vez na minha vida que alguém havia me dito que tal coisa era ilegal. A palavra ilegal para mim ja era algo raro. Ver um comerciante falar isso olhando nos meus olhos, foi literalmente algo inédito na minha vida. No caminho de volta para casa fui pensando na situação e na vergonha que eu acabara de passar. Quando cheguei em casa, olhei para aquele telefone e pensei: Esse telefone não é meu. Só porque meu amigo o achou, não significa que agora o telefone seja dele. Aquele telefone tinha um dono, e esse dono não era eu nem meu amigo. Foi nesse momento que a ficha caiu. Foi nesse momento que eu percebi que eu também era corrupto, e que no meu país, essa prática era normal. Eu não conhecia nada diferente disso e por isso, era normal também para mim. Resolvi deixar o telefone ligado na esperança que o dono ligasse, e de fato ele ligou. Combinamos um horário e ele passaria na casa que eu estava morando para pegar o seu telefone de volta. O prazer de devolve-lo ao dono e de ver a felicidade da pessoa ao reaver um bem importante que ele havia perdido, me transmitiu um sentimento de felicidade muito maior que aquele que eu havia sentido quando ganhei o telefone que não era meu. O prazer de promover o bem é muito melhor do que o prazer da vantagem de receber algo que na verdade não lhe pertence. De lá pra cá, encontrei outros cinco telefones e consegui devolver todos! No Brasil, quando alguém devolve alguma coisa, a atitude é tão incrível que ganha espaço no Jornal Nacional. É algo tão surpreendente e raro quanto ver um político corrupto ser preso por corrupção. Em outra ocasião, danifiquei a roda de uma bicicleta velha que estava acorrentada no poste com a roda na rua. Deixei um bilhete e no dia seguinte uma menina da Alemanha me ligou. Tive que pagar uma roda nova, mas ganhei uma amiga e fiz ela mudar o conceito errado de ela tinha sobre os Brasileiros que moravam em Londres.
Aquela primeira lição do telefone em Londres, abriu tremendamente a minha cabeça para esse problema tão grave que é a corrupção na sociedade Brasileira. Resolvi fazer uma espécie de regressão para lembrar meus possíveis atos de corrupção que havia praticado durante os 25 anos que estive no Brasil. Pela primeira vez, ao invés do prazer da vantagem fácil, senti vergonha. Eu havia acabado de ser introduzido a sociedade Britânica, mas seus valores ja causavam uma revolução na minha cabeça. Eu copiei trabalho de amigo da escola, fiz cola de todos os tipos, e na faculdade comprei prova da menina que trabalhava no xerox. Quando comecei a trabalhar, saía para almoçar com meus colegas de trabalho e pedia uma nota fiscal com o valor bem acima do que realmente era. Quando terminávamos uma obra, chamávamos o senhor do ferro-velho local e vendíamos todo o ferro e o cobre que havia sobrado e repartíamos o dinheiro. Aceitei vale gasolina de candidato nas eleições e francamente, se você também ja fez isso, você não tem nada de cidadão do bem, você é apenas mais um corrupto hipócrita que ajuda a afundar o próprio país nesse mar de lama que nos encontramos hoje. Mas não se ofendam meus caros amigo, ja dizia Bob Marley: “A verdade é uma ofensa, mas não é um pecado”. Eu fui corrupto também! Mas hoje sou a prova de que é possível acabar com a corrupção. Se todos nadarem para o mesmo lado, é possível mudar o curso desse rio.
A nota fiscal com o valor adulterado para roubar seu patrão é um crime clássico não é mesmo? Você passa o almoço inteiro chamando o Lula e o Aécio de ladrão e corrupto, e na saída do restaurante faz exatamente a mesma coisa sem a menor culpa. Ja imaginou o que você faria se fosse Deputado ou Senador?
A sociedade Brasileira é tão corrupta que se a dona do restaurante se negar a fornecer nota fiscal com valor adulterado, as pessoas vão para outro restaurante, e a comerciante honesta corre o risco de ir a falência. Falência por honestidade! Esse é o nosso Brasil, cheio de cidadãos do bem. Os corruptos devem ser importados de algum país distante não é mesmo? Eu fui corrupto! O primeiro passo para acabar com a corrupção é reconhecer que você é corrupto. No dia que você conseguir mudar suas atitudes e deixar de ser corrupto, você terá acabado com a corrupção. E lembre-se que se todos nadarem para o mesmo lado, podemos mudar o curso desse rio.
A corrupção não esta ligada ao montante que você consegue roubar. A corrupção é uma atitude, e assim como o ladrão, se você entrar em um banco armado e roubar 1 Real ou 1 milhão de reais, você é ladrão de banco nos dois casos. Se você altera a nota fiscal do almoço para roubar seu patrão, você não é cidadão de bem, você é ladrão! Para finalizar, gostaria de deixar essa pergunta para vocês; Quantos de vocês praticam corrupção como as citadas acima, e se consideram um cidadão de bem ou trabalhador de bem? Seja sincero com você e comesse agora a nadar contra a correnteza e ajude a mudar o curso do Brasil.