MORO E BOLSONARO: O EFEITO JOÃO 8:32

Crônica por: Michaell Lange,

Londres, 26/04/20 –

Quando todos acreditavam que Maia poderia ser a principal ameaça ao Governo Bolsonaro, o tiro veio de um aliado. Fogo amigo e de dentro do alto escalão da esplanada dos Ministérios.

Uma semana após a demissão controversa do popular Ministro da Saúde Mandetta, por motivos ainda escusos, uma bomba nuclear explodiu na mesa do presidente da república. A saída do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, desafiou a fidelidade até mesmo dos Bolsonaristas mais fanáticos. Se a saída do Ministro da Saúde já havia causado um abalado sísmico no governo Bolsonaro, a saída truculenta e inflamatória do Ministro Moro pode ter causado estragos ainda mais graves e possivelmente irreversíveis. É o momento mais frágil do presidente desde a sua expressiva vitória nas eleições de 2018. Bolsonaro passa pelo pior momento da sua administração e muitos apoiadores não acreditam na sua recuperação. Sem Moro na Justiça, mesmo sobrevivendo à crise, o presidente deve perder força, brilho e credibilidade.

O Conflito de Formações

O relacionamento entre os sistemas civil e militar, representados aqui por Moro e Bolsonaro respectivamente, sempre será marcado pelo conflito. A rigidez hierárquica, a repressão, o autoritarismo na forma operacional e a mentalidade retrógrada do militarismo, não se encaixam com o cooperativismo, a mentalidade inovadora, proativa, coerente, democrática, justa, analítica e constitucionalista do modelo civil e liberal. O relacionamento entre militares e civis liberais estará sempre condenado ao conflito. É uma relação tão estranha e perigosa quanto a amizade entre cães e gatos, leões e hienas. Podem até acontecer, mas as expectativas são de que em algum momento as leis da natureza prevaleçam e determinem o destino destas relações incompatíveis. O militarismo e o liberalismo ou seja, Bolsonaro e Moro, são forças fundamentalmente antagônicas!

A Índole do Presidente

A natureza ignorante, infantil e narcisista do presidente, aliada a sua formação militar, é uma combinação desastrosa e volátil. Seu passado de comportamento autoritário e inconsequente, estão catalogados e documentados ao longo de décadas de evidências irrefutáveis da sua conduta instável. Parece não haver espaço para estudos técnicos, analíticos e investigativos que vinham sendo apresentados por uma equipe de Ministros escolhidos a dedo pelo próprio presidente. Suas atitudes no poder parecem não compartilhar o mesmo espaço de suas promessas de campanha, quando ele afirmava que os Ministérios seriam cargos técnicos ao invés de indicações politiqueiras. De fato, muitos cargos foram mesmo indicações técnicas, mas só de fachada. Os trabalhos bem sucedidos, sobretudo dos ministros Moro e Mandetta, claramente desagradaram o presidente. A submissão parece ser a chave da permanência no governo. A competência parece ser uma virtude irrelevante.

Oportunismo de Moro

Sérgio Moro e Jair Bolsonaro são duas raposas que usaram de suas instituições para chegarem ao poder. Não há inocentes nesse jogo de poder político. Há sim, oportunidades e oportunistas. Com exceção da eleição para presidente, Bolsonaro sempre se aproveitou do voto dos militares. Usou a instituição como catapulta política. Por outro lado,  Sérgio Moro aproveitou seu envolvimento na Lava Jato para ganhar notoriedade nacional e eventualmente ser impulsionado ao cargo de ministro da justiça com possibilidades reais agora, de se tornar presidente da república em 2022.  Moro não é nem de longe, a fonte da moralidade que muitos pensam. Nenhum outro país tem um juiz estrela como Moro. Juízes, são geralmente forças ocultas que agem por trás da cena, não aparecem no filme mas garantem que os processos legais sejam seguidos a risca. Moro se aproveitou da oportunidade para virar celebridade. Deixou de lado a modéstia, a distinção, a reserva e a discrição, virtudes tão comuns na conduta de juízes ao redor do mundo e preferiu roubar a cena assumindo o papel de “juiz celebridade”.

A Confluência de Forças e Interesses

A dupla se cruzou quase que por acaso no final de uma triangulação política que viu a ascenção oportunista de um deputado federal e as conclusões da maior investigação de corrupção da história do Brasil. Bolsonaro ganhava fama de patriota, militar honesto e politicamente incorreto, enquanto Moro, no mesmo momento, ganhava o título de herói nacional por sua participação decisiva nas investigações da Lava Jato. Era um affair desejado, oportuno e tão conveniente quanto o caso entre a atriz de Hollywood Marilyn Monroe e o então Presidente Americano John F Kennedy. O povo queria, a mídia desejava e a atração era mutua e irresistível. Fazia muito sentido a união entre o “presidente de direita, honesto, temente a Deus”, e o juiz “caçador de corruptos”. Era o sonho de todo conservador. O fim do “Comunismo e da corrupção”. Só que não.

Na última sexta-feira (24), as leis da natureza resolveram reestabelecer a ordem dos fatos. Bolsonaro, político, militar autoritário, tentou conduzir a justiça a seu modo para benefício próprio. Bateu de frente com Sérgio Moro, ex-juiz federal, civil, oportunista, consciente da sua popularidade, egocêntrico e conhecido por sua capacidade de vazamento de informações sigilosas e ações arbitrárias para alcançar seus próprios objetivos. A ruptura foi praticamente inevitável. Mas as consequências podem ser ainda mais devastadoras. Ambos trocaram farpas e denúncias durante seus pronunciamentos, deixando claro que esse conflito está longe do fim e de um final feliz. Indiferente do desfecho de mais um episódio lamentável na vida política Brasileira, resta o conforto da citação favorita do presidente…  “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João, 8:32).

Agradecimentos especiais: Renata Lange Rila Quintino