By: Michaell Lange,
London, 03/12/16 –
A Colombia deu uma aula ao Brasil de como gerenciar situações de desastre, e como conduzir o processo de busca e salvamento além dos trâmites legais e homenagens com o mais alto grau de dignidade. Os Colombianos foram melhores do que os Brasileiros em quase tudo. A torcida do Atletico Nacional de Medellin, prestou uma das homenagens mais lindas na história do esporte, e deu exemplo de esportividade e civilidade. Comoveram a nós Brasileiros, dividindo a mesma dor, como se a tragédia tivesse sido com seu próprio time. O povo Colombiano deu exemplo de dignidade e fraternidade. Mostraram ao povo Brasileiro uma Colombia que os Brasileiros não conheciam. Nos surpreenderam com uma compaixão típica do Sul Americano, que o próprio nativo havia esquecido que existia. O Brasileiro vê os países vizinhos com muita desconfiança, mas a tragédia desta semana parece ter despertado uma irmandade que nos tempos coloniais nos unia. Esta semana, os Colombianos conquistaram o Brasil. Uniram dois povos que compartilham a mesma dor. A torcida do Atletico Nacional de Medellin liderou um movimento mundial de solidariedade e amor ao esporte. Mostraram ao mundo que apesar das rivalidades, a vida e o próprio esporte nos une e nos fazem membros de uma mesma família. Tenho certeza que essa tragédia nos levou a transcender as fronteiras que dividem territórios, e ao menos por alguns dias, o mundo pareceu não ter fronteiras. O planeta esteve unido como um só povo, unidos pelo esporte.
Mas, quando “o campeão voltou” e as atenções se voltaram para o Brasil, a precariedade do governo e das agências governamentais para administrar uma situação tão delicada e trágica, estavam evidentes em quase todos os lugares. O despreparo e a falta de sensibilidades das autoridades Brasileiras me constrangeram, sobretudo diante de toda a grandiosidade e delicadeza com que a Colombia havia demonstrado com nossos compatriotas da Chapecoense. É muito provável que a comoção do povo diante de uma situação tão inesperada e trágica, tenha nos impedido de observar a pobreza organizacional com que as autoridades Brasileiras apresentaram na volta para casa do time da Chapecoense.
Nossa incapacidade de organização é um fato histórico. O Brasil não sabe planejar. Vamos resolvendo tudo no supetão, e na medida que os problemas vão surgindo. O improviso vira regra e o que deveria parecer bonito e digno se torna ofuscado e ainda mais triste. A culpa ao meu ver, esta na militarização da nossa sociedade. Militares foram treinados para guerra, não foram treinados para governar ou gerenciar crises e tragédias civis. Poderiam ser treinados para isso ja que o Brasil não tem inimigo comum, mas não foram e por tanto, não estão preparados para lidar com situações como essa, mas acabam por ser os responsáveis pela organização de eventos que não lhes competem. Isso ocorre apenas porque o Brasil não tem ainda uma sociedade civil que possa assumir esse tipo de evento. Não há nenhum problema em transportar os corpos dos jogadores em aviões militares. Nenhuma outra agência governamental teria tamanha infra-estrutura para fazer esse trabalho. Se tivéssemos por exemplo, uma guarda costeira civil, esta teria tal infra-estrutura, mas não temos e por isso, dependemos dos militares. O procedimento de retirada dos corpos dos aviões e o transporte até o estádio da Chapecoense onde o velório aconteceria, me deixou irritado. Mesmo em meio a comoção pois, como todo Brasileiro, eu também passei o dia chorando assistindo ao cortejo fúnebre, não passou despercebido a falta de organização das nossas autoridades. Como crítico que sou, foi difícil não comparar a sensibilidade e a delicadeza com que os Colombianos conduziram nossos guerreiros até os aviões da FAB, com o modo desajeitado, desorganizado e indelicado com que os militares Brasileiros receberam nossos Brasileiros em Chapecó. É importante lembrar que a crítica aqui não é direcionada aos soldados envolvidos nesse processo. Vi muitos deles emocionados e com dificuldades de manter a postura diante de tanta dor. A crítica é direcionada a organização do evento, incluindo o comportamento vergonhoso e infantil do presidente da república, preocupado se seria ou não vaiado. A vestimenta dos soldados que vestiam uniforme de guerra (provavelmente o único que tem), estava totalmente inapropriada para a ocasião. O uniforme camuflado é extremamente indelicado e não condiz com a natureza do evento. Os Colombianos usaram uniformes com terno azul e conduziram os corpos até os aviões em mesas impecáveis, ao som da corneta fúnebre e a presença de um padre. Tudo muito digno para tal ocasião. No Brasil a retirada dos corpos foi feita em macas claramente improvisadas com toalhas brancas que com o vento e a chuva, levantavam revelando um material velho e sucateado. Para um país que critica Cuba, deveríamos ao menos nos apresentar melhor. A condução dos corpos também me pareceu extremamente desajeitado e improvisado. O mais chocante foi o modo como os heróis da Chape foram levados até o estádio Arena Condá. Me pergunto quem foi a mente que decidiu conduzir as vitimas de tamanha tragédia em cima de carretas abertas? É um absurdo a forma indelicada com que foram levados (ou transportados como carga) até o local onde o povo aguardava aflito. Há o costume de usar também, caminhões do corpo de bombeiros, outro meio inapropriado que ninguém entende o motivo. A Colombia conseguiu carro fúnebre individual para todos os corpos, por que as autoridades Brasileiras não fizeram o mesmo? Tiveram uma semana para planejar o evento que deveria ter sido no mínimo, tão digno e respeitoso quanto foi na Colombia, onde tiveram muito menos tempo para organizar o processo, mas foram impecáveis em todos os sentidos. Ainda na procissão fúnebre, carros da policia com as sirenes ligadas faziam o cortejo parecer uma transferencia de presos, quebrando o silêncio respeitoso da torcida e do povo Chapecoense. Alguém saberia explicar a presença de jipes do exército? Não se trata de um desfile de 7 de Setembro senhores! A indelicadeza da organização me revoltou em certos momentos. O Brasil precisa se distanciar da cultura social militarizada e caminhar na direção de uma sociedade civil, que permita a flexibilidade de desenvolvimento. A rigidez militar deve permanecer nos quartéis.
Mas, a espontaneidade e a dignidade do povo Chapecoense me comoveu muito. O silêncio quase ensurdecedor levou o Brasil as lágrimas. Os aplausos e os cantos da torcida organizada de tempos em tempos, ecoavam pela cidade e se confundiam com o barulho da chuva forte. O olhar triste e pensativo dos torcedores refletiram com muita honestidade e honradez, o amor do povo de Chapecó por seu time de futebol. O prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, vestindo a camisa do time do Atletico Nacional de Medellin, fez um agradecimento bastante emocionado ao povo Colombiano pelo carinho com que trataram nossos Brasileiros. O povo presente respondeu imediatamente com aplausos. Luciano ainda comparou a chuva intensa que caiu durante todo o dia na cidade, com lágrimas de Deus. E como não mencionar a grandiosidade da Dona Alaíde, mãe do goleiro Danilo que emocionou a nação com sua grandeza espiritual frente a uma perda tão grande?
Hoje foi sem dúvidas, um dia muito triste. O Brasil, em meio a turbulência política, tenta superar mais uma tragédia no esporte. Foi quase impossível não lembrar do nosso Ayrton Senna. Foi impossível não chorar junto com os torcedores da Chapecoense. Mas, em meio a tragédia, vimos que o esporte é capaz de unir nações em um só coração, e fazer adversários se transformarem em irmãos. Ao povo Colombiano, deixamos nosso eterno agradecimento e admiração. E fica também a lição as autoridades Brasileiras, de que planejar e estar preparado para ocasiões como esta, demonstra até que ponto o governo realmente se importa com a dignidade do seu povo. Temos muito a aprender com os Colombianos. Força Chape!