Experiência de Hospital: SUS vs NHS

By: Michaell Lange,

London, 27/11/15 –

Fazem 13 anos que eu moro no Reino Unido e mesmo assim, não me canso de me surpreender com o sistema de saúde desse país.

Depois de pensar muito sobre a cirurgia oferecida por nosso hospital local para a retirada de uma adenoide do nariz do nosso filho de 3 anos, resolvemos aceitar com base nos riscos e benefícios em fazer a operação. Para mim, colocar a vida do meu filho em risco para corrigir um problema que não colocava a vida dele em risco, parecia algo sem sentido. Mas, depois de observar o impacto que a dificuldade de respirar trazia para a vida do nosso anjinho, que incluía apneia de até 15 segundos durante a noite, ronco e cansaço mesmo depois de 12hs de sono, a decisão ficou mais fácil. A carta do médico também teve peso. Segundo os exames feitos previamente, as adenóides eram consideradas “enormes”. Acho que é difícil explicar essa decisão para alguém que não tenha filhos mas, eu posso dizer que o medo de estar tomando a decisão que pode colocar a vida da pessoa mais preciosa da sua vida em risco, é de uma tortura mental imensurável.
Não posso dizer que mesmo precisando ser operado, não somos uma família de sorte. Nosso hospital local, o St George’s Hospital, é referencia mundial em Emergências, Trauma, Pediatria, e maternidade. De fato, moramos e 1km do maior centro de Emergências do mundo com 500 profissionais trabalhando apenas no setor de Emergências.

A cirurgia do nosso filho estava marcada para hoje, 27/11/15, as 7:30 da manhã. Mas o procedimento começou uma semana antes. No Sábado, uma semana antes da cirurgia, fomos convidados a participar do chamado “The Jungle club” ou “O Clube da Floresta”. O departamento onde as crianças de até 16 anos são operadas se chama “The Jungle” ou “A Floresta”. O clube da floresta é uma curta palestra de introdução a cirurgia para minimizar o impacto da experiência para as crianças. Assistimos a um desenho animado junto com a equipe médica e depois visitamos o centro cirúrgico e a sala de recuperação com a simulação da mascara de oxigênio e aplicação de creme anestésico nas mãos para a introdução de agulha. O departamento é decorado com desenhos de animais, elefantes, girafas, Rinocerontes, pássaros, e outros animais, por isso o nome, Floresta. Junto a sala de recuperação ha uma sala de diversão com todos os brinquedos imagináveis, de diferentes tipos de Lego, passando por DVDs e um computador com Xbox. Na segunda Feira, fizemos a avaliação para saber se nosso filho estava apto para o procedimento cirúrgico. Conhecendo a infra-estrutura da saúde brasileira, é difícil pra mim explicar o profissionalismo  e a qualidade do atendimento desse pessoal.

A parte mais difícil foi participar da aplicação da anestesia. Enquanto duas enfermeiras distraiam nosso filho com bolhas de sabão, o médico aplicou a agulha e introduziu o liquido branco que fez nosso filho dormir. Ele nem percebeu o que havia acontecido. Deixa-lo ali, foi a pior sensação que eu ja havia sentido. Uma enfermeira se sentou com a gente no lado de fora e nos deu todas as garantias possíveis de que tudo ficaria bem. Eu e minha esposa estávamos em prantos! Me senti um traidor, um verdadeiro FDP por tamanha crueldade. Depois de algumas horas, ja com o nosso filho de volta e se recuperando bem, pensei no quanto fui ignorante e ingênuo de me sentir como me senti antes. Quando você passa o dia num hospital e vê a realidade dura que outras crianças e famílias estão passando, a minha situação parecia ridícula, e ridículo foi como me senti. Quando passamos por um hospital não imaginamos quantos dramas estão sendo vividos ali dentro. Quantas famílias, quanta bravura, dedicação, superação e também tristezas e batalhas perdidas. Parece que as pessoas que estão dentro de um hospital são mais humanas, mais sensíveis, do que os outros milhares de alienados passando apressadamente pelas ruas do lado de fora.

Na sala de recuperação também ha uma cozinha aberta com café, sucos, bolachinhas, pão fatiado com torradeira, manteiga, agua, chá e até bolo. As crianças certamente adoraram a sala de recuperação mesmo estando um pouco confusos e tontos por causa da anestesia. Ficamos 6hs em observação antes de sermos reavaliados e liberados para irmos para casa. Mesmo assim, nosso filho continuará sendo paciente do hospital por 6 semanas quando uma nova avaliação ira determinar se ele esta bem e pode então, ser devolvido ao posto de saúde em que esta registrado. O custo total do tratamento saiu por ZERO Libras. O único custo foi o estacionamento que custaria £25 Libras, mas com um vale do hospital acabamos pagando apenas £8 Libras.

Existem algumas diferenças cruciais entre o SUS e o NHS. Visivelmente, os profissionais da saúde daqui, são profissionais por vocação, nasceram para isso e não saberiam fazer outra coisa. Por trás dessa vocação, existe uma estrutura de excelência que combinados com a vocação e a seriedade dos profissionais, resultam no melhor sistema de saúde do mundo. No Brasil também temos os profissionais da saúde por vocação mas, não temos a estrutura. O status de doutor, é também um fator que ilude  muita gente a estudar medicina e ser um mal profissional no futuro. Aqui, é normal você encontrar o cirurgião indo pra casa de ônibus, metrô, trem ou bicicleta. No Brasil, médico é autoridade, só anda de carrão. A outra diferença é o orçamento. O orçamento anual do NHS é de quase R$700 Bilhões de Reais para uma população de 60 milhões. Ja o Orçamento do SUS é de R$90 Bilhões de Reais para uma população de 200 milhões. Não é preciso ser mestre em matemática para entender o calculo. Isso sem considerar que uma grande parcela destes 90 Bilhões de Reais, se perdem em corrupção, valores super-faturados, salários de médicos que não trabalham, cirurgias, tratamentos e consultas que nunca foram feitas, roubo de medicamentos etc…

O motivo para publicar estas experiências aqui, não é para me gabar de viver num país com o melhor sistema de saúde publica do mundo, nem para deixar o Brasileiro ainda mais indignado. A razão para publicar estas experiências é divulgar e dividir situações que nos fazem pensar. O SUS poderia ter um orçamento de R$ 1trilhão de reais, por que não? O que seria mais importante que a saúde do nosso povo? Podemos sobreviver sem emprego e sem educação, mas não podemos viver sem saúde. Saúde deveria ser a prioridade numero 1 de qualquer país. Um governo que mantenha seu povo saudável terá sempre uma população mais produtiva e por tanto, uma melhor economia que consequentemente, daria condições para melhores investimentos na educação. É um ciclo lógico que da certo em países como o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Canada e Noruega, e deveria estar na base de qualquer governo que tenha boas intenções para representar seu povo e cumprir com a sua responsabilidade. Não vejo outra razão para a existência de um governo que não seja o de zelar por seu povo. Estamos muito longe dessa realidade, mas a evidencia da existência de sistemas como o NHS, é uma prova de que podemos chegar la. Mas para isso, precisamos dar o primeiro passo e nunca mais parar de caminhar nessa direção.

Um programa do canal 4 chamado, 24 horas na sala de emergência, mostra a realidade diária do St Georges Hospital.

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