Por: Michaell Lange
Londres, 16/11/14
E se os escravos de outrora pudessem voltar e analisar o mundo em 2014? E se os escravos de outrora pudessem falar sobre os 30 mil negros assassinados por ano no Brasil? (dados da Amnesty International 2014). E se eles pudessem visitar os 300 mil presos (na maioria negros), nas senzalas de Norte a Sul do Brasil? E se eles pudessem caminhar pelas favelas Brasileiras? O que diriam eles sobre a herança e o legado deixado na abolição em relação a realidade que seus filhos vivem hoje? Será que a violência e a discriminação contra os negros mudou muito de la para cá? O que eles diriam sobre a divida social imposta pela corda que enforca ou pela arma que perfura e mata? Podemos aprender muito sobre nosso presente refletindo sobre nosso passado, mas será que nossa mentalidade atual nos permitiria refletir sem sermos influenciados pela velha e cruel mentalidade humana? Será que o modo de pensar da maioria branca dominante de hoje mudou muito com relação ao modo de pensar de 200 anos atras?
Foram os meus antepassados brancos, os responsáveis pelas invasões de vilas onde a população foi massacrada e famílias inteiras foram desimadas ou separadas para sempre. Um legado que me envergonha por saber que fui e que continuo sendo beneficiado por 350 anos de exploração e o continuo massacre de negros por conta da simples coloração da minha pele. Segundo a ONU, o Brasil tem hoje mais de 250 mil escravos vivendo nas mesmas condições que os escravos de 200 anos atras. No mundo, estima-se que haja mais de 36 milhões (dados da Walk Free Group), numero muito maior que o total de escravos durante todo o período em que a escravidão era legal. A realidade dos negros de hoje não parece estar assim tão diferente da realidade daqueles tempos. Em 2009 a Universidade de Oxford no Reino Unido, uma das melhores do mundo, foi acusada de aceitar apenas 1 negro de origem Caribenha para o ano letivo. Mais tarde a Universidade esclareceu que em 2009 foram aceitos 27 estudantes negros e que apenas 1 tinha origem Caribenha. Segundo dados da própria Universidade, em 2009 o total de alunos aceitos para o ano letivo foi de 2.653, nos quais 2.316 foram definidos como brancos, 77 negros e 260 eram de outras origens étnicas. Não é necessário muita matemática para concluir a diferença. A realidade da Universidade de Oxford não é uma exceção, infelizmente. Situações como esta ocorrem em todos os cantos do mundo e revela nossa dificuldade em lidar com um dos problemas mais graves na sociedade humana, a discriminação racial. O recente filme chamado “12 years a slave” transmite um pouco da realidade escravagista e a nítida impressão de que não aprendemos quase nada com o passado. Mesmo contando a historia de um único escravo cujo o final foi de certa forma feliz, o filme reflete bem o modo de pensar dos brancos da época e o modo de pensar dos brancos de hoje.
Os senhores de escravos daquela época parece-me continuar sendo os mesmo senhores de escravos de hoje com mínimos detalhes de diferença. Não arranca-se mais os negro das vilas e cidades da Africa. Hoje eles vem de todas as partes do mundo como America Latina e Asia. Hoje, eles morrem aos milhares tentando escapar do caos deixado para trás pelo Europeu. Hoje, a fome, a miséria, os conflitos e as doenças como o Ebola, são os maiores escravistas, num mundo onde a vida humana ainda é dividida de acordo com a cor e o grau de importância do indivíduo. A divida social é impagável. Os danos nas questões humanas e socais são indiscutíveis. O muro que separa brancos e negros em pleno século 21 continua mais alto do que nunca e o preço da perpetuação desse muro não poderia ser outro se não a própria perpetuação da violência.